Mestre, sabemos que és íntegro e que ensinas o caminho de Deus conforme a verdade. Tu não te deixas influenciar por ninguém, porque não te prendes à aparência dos homens.
A partir desta introdução a pergunta é direta: “É certo pagar o imposto a César ou não?”. Jesus percebe imediatamente o que está ocorrendo, tanto que os acusa de hipócritas; no entanto, aceita envolver-se neste dilema pedindo primeiramente que lhe mostrem a moeda. O denário era uma moeda de prata muito usada por todo o império. Sua inscrição na época era: “Caesar Augustus Tiberius, filho do divino Augustus”, e no verso: “Pontifex Maximus” (ou “Sumo Sacerdote”). É curioso que a moeda, considerada idólatra por conter a imagem do imperador e uma alusão ao seu status divino, foi prontamente encontrada. Uma vez examinada a moeda, Jesus faz sua declaração sobre o dilema: “Então, deem [ou devolvam] a César o que é de César e a Deus o que é de Deus”. Uma análise superficial seria: enquanto cidadãos deste mundo, precisamos cumprir com nossos deveres aqui ao mesmo tempo que reservamos a Deus aquilo que só a ele cabe. No entanto, somos lembrados das palavras de Jesus registradas em Mateus: “Ninguém pode servir a dois senhores; pois odiará um e amará o outro, ou se dedicará a um e desprezará o outro. Vocês não podem servir a Deus e ao Dinheiro”.
Podemos então afirmar com segurança que Jesus não está defendendo uma dupla lealdade, ou sequer afirmando que dinheiro não tem importância, ou ainda advogando uma obediência cega a qualquer que seja o governante. Ele está afirmando a primazia da autoridade de Deus e ao mesmo tempo afirmando que vivemos em um mundo caído que nos impõe obrigações, algumas razoáveis e justas e outras não. Com isso, inúmeras vezes nos confrontaremos com situações em que a demanda do governo é injusta, até mesmo opressiva. Jesus não nos pede para apoiarmos um governo assim, nem tampouco para liderarmos uma revolta, mas reconhece que, com frequência, precisamos viver dentro deste contexto. No entanto, é fundamental não confundirmos sobrevivência com nossa lealdade. C. S. Lewis, um de meus autores favoritos, escreveu:
Um homem poderá ter que morrer por seu país, mas nenhuma pessoa deve, em nenhum sentido exclusivo, viver por seu país. Aquele que se entrega sem reservas às reivindicações temporais de uma nação, ou de um partido, ou de uma classe, estará entregando a César aquilo que, acima de tudo, pertence da forma mais enfática possível a Deus; estará entregando a sua própria pessoa.[2]
O alerta das palavras de Jesus, aguçado pelo trágico evento do ataque ao candidato, deve nos levar a lembrar onde está nossa verdadeira lealdade. Pode ser que, por viver em um mundo caído, eu tenha de sofrer por viver neste país, mas minha vida não se limita a esse contexto. Pode ser que meus recursos sejam roubados, talvez até com o apoio das autoridades, mas meu verdadeiro tesouro não está nesta terra. Pelo contrário, minha oração por mim e por você é que não nos entreguemos por inteiro a nenhum movimento político desta terra. Teremos, sim, de nos alinhar, de votar, e talvez até tenhamos momentos que Francis Schaeffer chamava de cobeligerância, ou “combater ao lado de”. Nestes momentos podemos participar de uma causa justa em nome de Cristo, mas preservando nossa identidade nele. Não podemos nos entregar sem reservas a qualquer homem, partido ou ideologia, pois, ao fazê-lo, estaríamos dando a César o que é de Deus.
- Nicolau Maquiavel, O Príncipe (São Paulo: Nova Cultural, 1997), p. 85.
- C. S. Lewis, O Peso da Glória (Rio de Janeiro: Thomas Nelson Brasil, 2017) p. 57.