A política externa do Brasil: mais altiva

 

 

 

 

A política externa do Brasil: mais altiva e menos activa

 

A política externa é o último dos problemas que os brasileiros querem ver debatidos na campanha eleitoral. E, no entanto, o Brasil é demasiado grande para que as suas ambições mundiais não sejam sujeitas ao escrutínio internacional. Balanço rápido: apesar de tudo prevalece a “continuidade”. Se há diferenças com Dilma, elas são mais por omissão do que por mudança.

                
                                                                 
Dilma é critica pela sua falta de interesse pelas questões internacionais Ueslei Marcelino/Reuters

 

 

             

Olhando à distância das academias, o balanço da política externa do Brasil ainda pende para o lado da “continuidade”. As diferenças devem-se mais às circunstâncias internacionais, que mudaram radicalmente, do que a uma “revolução” na forma como o Brasil se relaciona com o mundo.

                        Com Fernando Henrique Cardoso no final do século passado, o Brasil conseguiu criar as bases de uma grande economia emergente e afirmou-se como um parceiro responsável do Ocidente na cena internacional. FHC considerava que o desenvolvimento económico do Brasil passava por uma boa relação com as democracias desenvolvidas. Não deixou por isso de marcar a tradição de “autonomia” do Itamaraty. Depois do 11 de Setembro, foi o primeiro líder mundial a criticar a “guerra ao terror” de George W. Bush, não por falta de solidariedade mas porque entendeu que era uma estratégia destinada ao fracasso. Negociou duramente com Clinton os termos da ALCA (Área de Comércio Livre das Américas). Tornou o Brasil respeitável na cena internacional.

Lula da Silva recebeu, em 2003, um país preparado para retomar o crescimento económico num mundo em plena transformação geopolítica. Quis fazer do Brasil um actor internacional de primeira grandeza, o que lhe foi relativamente fácil porque era um “ícone” mundial a quem toda a gente se rendia. Rodou a bússola da política externa da parceria com os países desenvolvidos para uma lógica de cooperação Sul-Sul com o objectivo de afirmar o mundo emergente perante uma ordem internacional dominada pelo Ocidente, que considerava injusta. Deu-se bem com George W. Bush e, curiosamente, menos bem com Obama. Foi a coqueluche do Ocidente mas agradeceu-lhe com algumas iniciativas que desafiaram abertamente a sua hegemonia. Acreditou que o Brasil era já capaz de intermediar conflitos que Washington não conseguia resolver. Enganou-se. Como escreveu Moisés Naim, antigo director da Foreign Affairs, “fartou-se de quebrar corações”. Quis liderar a América do Sul com demasiada condescendência para a Venezuela de Chávez e o novo populismo “bolivariano” e antiamericano. FHC tinha criado o Mercosul, à imagem do modelo de integração europeia, assente em princípios democráticos que Lula ignorou. Lançou as bases do IBAS (aliança entre as grandes democracias emergentes, Brasil, Índia e África do Sul) para criar uma frente unida contra europeus e norte-americanos nas negociações de Doha da Organização Mundial do Comércio (OMC), hoje quase mortas e enterradas. Lançou as bases dos BRIC (BRICS: Brasil, Rússia, Índia, China com a África do Sul) com o objectivo político de forçar o Ocidente a “democratizar” as instituições multilaterais criadas no pós-guerra e abrir espaço aos novos colossos económicos que a globalização permitiu, mas sempre sem pôr em causa abertamente a ordem criada pelas potências “estabelecidas” (outro traço “contínuo” da politica externa brasileira). Ganhou a Copa e os Jogos Olímpicos. Os académicos e analistas brasileiros dizem que exagerou, quando se juntou à Turquia numa iniciativa para negociar o programa nuclear iraniano com o então Presidente iraniano Ahmadinejad. Deu-se ao luxo de festejar com champagne a nova “entente” “e de desprezar publicamente as grandes manifestações de Teerão contra o “roubo” das eleições presidenciais, brutalmente reprimidas pelo regime dos Aytollah. Foi um fracasso que só serviu para irritar a América e que terá custado ao Brasil um pouco menos de boa vontade para apoiar a sua pretensão a um lugar permanente no Conselho de Segurança. A crise financeira que atingiu duramente as economias ricas do Ocidente fê-lo acreditar que o “declínio” ocidental seria mais rápido do que se veio a verificar. Anunciou que o Brasil seria a potência do século XXI. Os analistas consideraram que tinha ido longe de mais. Mas quando abandonou o Planalto, o Brasil mantinha a imagem da mais simpática das potências emergente.

Lula deixou a Dilma um Brasil prestigiado e uma economia a crescer 7,5 por cento ao ano, depois de ter ultrapassado facilmente o choque da crise financeira de 2008. O que fez a Presidente do seu legado? É aqui que os analistas encontram uma “descontinuidade”. Não tanto nos objectivos mas nas omissões.

A interrogação de partida é simples: Com Dilma o Brasil perdeu força na política internacional? A resposta mais repetida é a falta de interesse dela pelas questões internacionais que ultrapassem os interesses de curto prazo, sempre relacionados com a economia. Depois de dois líderes, FHC (um dos mais prestigiados sociólogos do século XX) e Lula (o operário que chegou ao Planalto), que desenvolveram uma intensa diplomacia presidencial, Dilma teria necessariamente uma imagem mais pálida. Mas isso não justifica tudo. Os críticos dizem que deixou um lugar vazio em múltiplos fóruns internacionais onde se define a nova arquitectura do poder mundial. Que “secou” o Itamaraty, cuja “pompa e protocolo” detesta, mas que ainda é um corpo de Estado com imensa experiência e prestígio. “Convidou Luíz Alberto Figueiredo   para substituir António Patriota pelo telefone a só reuniu com ele quatro meses depois”, diz Miriam Saraiva investigadora da Universidade Federal do Rio de Janeiro. Admitem que a situação económica do país obriga-a a focar toda a sua atenção nos problemas internos. Sabemos quais são. A economia entrou em recessão técnica. As taxas de juro mantêm-se altas porque a inflação já está acima da meta fixada. A contestação à falta de serviços públicos de qualidade, quando os brasileiros pagam impostos “europeus”, mostrou-lhe que não basta erradicar a pobreza e criar uma nova classe média para que toda a gente fique feliz. Porque essa felicidade implica enormes expectativas que uma economia estagnada tem mais dificuldade em garantir.

Fonte: http://www.publico.pt/mundo/noticia/a-politica-externa-do-brasil-mais-altiva-e-menos-activa-1671677

 

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